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Gus Tomb - O Cataléptico Acordou!

Leia a entrevista com um ícone do Psychobilly, Gustavo, mais conhecido como "Gus Tomb", que nos conta um pouco de sua carreira, influências e inserção no movimento Punk e Psychobilly da cidade de Curitiba e do Brasil. Com vocês: Gustavão!!!

Gus Tomb - O Cataléptico Acordou!
Gus Tomb - Os Catalépticos. 2017

O Retorno do Cataléptico!

Desde quando surgiram os rumores sobre a volta d'Os Catalépticos, o mundo do Psychobilly virou de ponta cabeça. Fãs de todo mundo cortando os pulsos, os mortos saindo das tumbas, zumbis de todos os tipos invadindo a página da banda no Facebook para obter mais informações. É inegável a influência da banda para o estilo e para a cena que se consolidou.

Agora, depois da confirmação do seu "retorno" com os shows que já estão agendados e com ingressos que quase não se encontram mais, todos estão dançando nas sepulturas de tanta felicidade. O cataléptico acordou e está novamente pronto para estalar os ossos no wreck.

Leia a entrevista com um dos responsáveis por toda esta movimentação. Gustavo, mais conhecido como "Gus Tomb" nos conta um pouco de sua carreira, influências e um pouco da sua história inserido no movimento Punk e Psychobilly da cidade de Curitiba e do Brasil. Com vocês: Gustavão!!! 

PB - Olá Gus, agradeço a disponibilidade em nos conceder a entrevista. Estamos todos felizes (digo em nome de todo público) em ter a possibilidade de rever a banda icônica do Psychobilly mundial, novamente no palco.
GUS - Eu que agradeço. Certamente compartilhamos deste mesmo sentimento. Pessoalmente, para mim, está sendo muito gratificante retomar os ensaios e voltar a tocar.

PB - Vamos voltar um pouco no tempo. Fale um pouco de você. Como foi inserido no mundo musical e quais são os artistas que te influenciaram?
GUS - Há muitas décadas estou na cena underground curitibana. Nos anos oitenta participei de bandas punks (Maus Elementos – 84- e Paz Armada - 85). Depois disso caí no Psychobilly quando fui chamado pelos Missionários para tocar com eles. Influencias são infinitas. De alguma forma todas as bandas que ouvi contribuíram de alguma forma para essa ‘formação’ musical – prática – que me ajuda quando toco.

PB - Quais são as suas bandas preferidas? O que você escuta no dia a dia?
GUS - Como já sou velho, me acostumei a ouvir as bandas de minha época. Não me limito a uma vertente, um movimento. Vejo o underground como um mundo a parte, em que as diferenças só fazem com que tudo fique mais interessante. Ouço muito punk antigo, oi! e bandas street punk. Prefiro as clássicas, como Cock Sparrer, Sham 69, Toy Dolls, Blitz, coisas assim... Quanto ao psycho, sempre me inclinei pelas bandas mais pesadas. No passado eram poucas, como Scum Rats, Banane Metalic, Asmodeus, Nubskulls, Cenobites, Chibuku, sem esquecer, é claro, Nekromantix e Mad Sin. Hoje vejo muitas bandas fazendo psycho pesado. Gosto disso. Diminui limites entre cenas e aproxima as pessoas.

PB - E falando propriamente no Psychobilly, como foi que conheceu?
GUS - No final dos anos 80 havia um bom número de "rockabillies" aqui em Curitiba. Paralelamente tinha os Missionários, primeira banda daqui autoproclamada psycho. Dentro dessa universo se ouvia bastante Psychobilly tradicional, como Batmobile, Guana Batz, King Kurt e Frenzy, por exemplo. Bandas que se aproximavam bem mais do Rockabilly. Mas como eu disse, tinha os Missionários, com um visual estranho, uma formação estranha (sem baixo e com teclado) e com uma postura bastante peculiar no palco (shows com muita sujeira e sangue... o pessoal se cortava todo nas apresentações). As influencias eram outras: Alien Sex Fiend, Cramps e Punk – no geral. Eu entrei na banda em um segundo momento, onde o baterista, Maurício, esse sim o verdadeiro Missionário, achou que seria interessante dar uma reformulada nas coisas. Entrei na banda junto com o Alexandre, vocal, e começamos a tocar nosso Psychobilly, pegando um pouco mais forte a influência da cena inglesa daquela época. Mas o ponto de partida mesmo, ainda comigo na banda, sempre foi Cramps. Acho que este momento representa minha porta de entrada no psycho. Como uma grande parte das pessoas, mais um oriundo do punk que baldeou para esse lado. Não sei... o punk se mostrava meio óbvio (sempre mais do mesmo) e a militância me incomodava. O psycho representava um universo novo a ser explorado sem que houvesse conotação política. Me agradava muito isso.

PB - De onde veio a inspiração para o coffin bass e como foi o processo de “construção” da ideia?
GUS - Era muito difícil achar baixo de pau pra tocar naquela época. Eu tive, antes do caixão, dois baixos, um muito ruim (laminado muito popular na bossa nova dos anos 60) e outro bom (para jazz). Nenhum deles correspondia ao que eu queria. Eu sentia que precisava de algo mais próprio para o tipo de som que estávamos fazendo. O caixão vem com a temática da banda. Com a Catalepsia, temas de morte, cemitério. Toda essa coisa bonita que cantamos. Achei um artista em Belo Horizonte (Gianfranco) que aceitou a enfrentar o desafio de construí-lo. Fizemos alguns desenhos e ele construiu esse baixo que superou todas as minhas expectativas. Ele possui uma série de detalhes que o deixam mais adequados para o meu jeito de tocar, além de que ele foi feito para uma pessoa da minha altura (2 metros).

Os Catalépticos. 1996

PB - Os Catalépticos! Como tudo começou?
GUS - A cena psychobilly curitibana do início dos anos 90 era muito engraçada. Havia muita banda e pouco público. Cervejas, Missionários, Ovos Presley, Dráculas Krápulas (que depois virou Krápulas), Limbonautas, Os Escroques, e assim vai... Sempre os mesmos iam uns aos shows dos outros. Não havia uma cultura de público, mas de músicos. Eu havia saído dos Missionários e estava sem tocar. Sempre quis tocar baixo de pau, e naquela época me propus a aprender a tocar, mesmo sem ter banda. Saí à busca de um rabecão e tinha uma ideia fixa de montar uma banda psycho porrada. Sempre admirei muito o jeito do Vlad tocar. Éramos amigos de longa data e um dia, conversando, resolvemos começar a tocar juntos. Precisávamos de um baterista. Um cara quebrou um galho durante um tempinho, mas o lugar era do Coxinha, que deverá sempre ser considerado o único baterista da banda. Na época ele era um menino, mas desde aquele tempo já revelava que iria se destacar por seu talento. A coisa esquentou. Rapidamente recebemos um convite para tocar no maior festival psycho daquela época, o Big Rumble, na Inglaterra. Tínhamos gravado apenas 2 sons (Atomic Zombie e Death Train), mas foi o que bastou. A necessidade de ensaiarmos para não fazer feio lá no exterior foi o empurrão que precisávamos para levar os ensaios muito a sério, como nunca antes havíamos feito em outra banda. Tocar fora do Brasil, naquela época, era uma aventura que poucos haviam vivido. Para nós o desafio era imenso, porque para os europeus era muito, mas muito exótico mesmo, ter uma banda brasileira no line up. O Brasil, como um cenário de musica underground, era absolutamente ignorado. Nos esforçamos o máximo que podíamos. Até hoje atribuímos uma parcela significativa do reconhecimento que hoje temos a essa dedicação neste momento. Foi trabalho duro. Ensaio diário sem descanso.

PB - E de onde surgiu o nome da banda? Quem teve a ideia?
GUS - Certamente de alguma conversa minha com o Vlad. Nossa vontade era manter uma linha de terror bem delineada, mas sem cair num ridículo vazio de fantasia. Pensamos em explorar um terror real, algo de fato assustador e verdadeiro. Não me ocorria, nem ocorre hoje, algo mais tenebroso do que ser enterrado vivo. O nome remete imediatamente a este tema. E outra coisa que contou, que me lembro bem, foi a sonoridade. "Catalépticos" soa como um slap. Como um tapa bem dado nas cordas de um baixão tirando esse som. Uma onomatopeia bem Psychobilly.

PB - E dentro deste universo tenebroso, existe uma música da banda que você mais gosta? E por acaso, alguma que detesta?
GUS - Tenho algumas preferências em tocar determinadas músicas, com relação a linhas de baixo e execução. Gosto de "Like in a Gasoline Tank", "Terrible Nightmares", "Psychobilly Is All Around"… Gosto de tocar essas músicas. Não tenho nenhuma que detesto não... talvez ela até tenha aparecido e sido descartada já na casca...


PB - Vocês deixaram um legado inegável para a história da música. Muitas bandas e artistas se espelharam, dentro do estilo, nas propostas que vocês trouxeram para o Psychobilly. Como você vê a evolução do estilo nestes anos e como você acha que será o futuro desta música?
GUS - Gosto de ouvir esse tipo de comentário. No início estávamos meio isolados em uma “cena” forte – principalmente na Europa – que de alguma maneira tentava se manter mais pura quanto as origens próximas do Rockabilly. O som mais pesado, mais rápido, era mal visto. Éramos como um câncer, distorcendo alguns valores e desafiando bandas consagradas e intocáveis. A força maior que nos alimentou até acho que veio dessa resistência em se aceitar um psycho mais violento.
Passamos a chama-lo de "Power Psycho", e de certa forma começamos a nos aproximar mais das bandas que pendiam para esse lado. Não sei se consigo considerar que isso signifique, como você disse, uma evolução. É na verdade uma opção a mais. De certa forma enriquece um cenário musical que precisa ser alimentado. Todo nosso universo paralelo vive ao redor da música. O underground se alimenta de música. Seria extremamente chato limitar o alcance de estilos musicais de cada uma de sua vertente a imposições, do tipo, apenas isso é Psychobilly, ou rejeitar novas propostas. Isso é de uma estupidez incrível. Hoje eu vejo o nosso estilo bastante difundido, o que me agrada muito. Foi, afinal, aceito, e isso só fez bem a uma “cena” que precisa sempre se renovar. O futuro... sei lá. Não me importa muito.

Os Catalépticos

PB - A história de vocês é recheada de sucessos entre um surgimento e um fim repentino. Quais foram os melhores e piores momentos, para você, durante o período em que a banda estava na ativa?
GUS - Com muita sinceridade, não tenho nenhum pior momento. Quando montamos a banda jamais me passou pela cabeça viver tudo que vivemos. Eu já tinha bastante experiência no cenário e nem tinha muita esperança de que aquela realidade com que me acostumei poderia mudar. Há muito tempo já vinha tocando e vivendo aquela vida de palco pequeno, uma cerveja de cachê e 15 amigos na plateia. De viajar para tocar no máximo em São Paulo. A abertura de um cenário global, lançamento de discos na Europa, Japão, EUA. A receptividade do público, tanto aqui quanto lá fora foi surpreendente e nos encheu de satisfação. Afinal de contas é isso que você busca – mesmo implicitamente - quando você monta uma banda. Você não acredita que isso de fato possa acontecer, mas lá no fundo é de fato o objetivo. Deu certo demais e desfrutamos dessa realidade nos dedicando ainda mais a ir além. Fez-se um círculo em que as conquistas vinham de acordo com nosso trabalho e dedicação. Foi tudo muito bom. Sem ressalvas.

PB - De todas as apresentações d’Os Catalépticos, teve alguma que ficará marcado para o resto da vida?
GUS - A primeira apresentação na Inglaterra – Big Rumble de 1997, onde tocamos pela primeira vez com bandas como Nekromantix e Meteors. Os shows que fizemos na Califórnia, quando já desfrutávamos da condição de "head liner", e nosso último show em 2006 no Jokers. Havia naquela noite uma energia diferente. Quem estava lá certamente sentiu.

PB - Após o fim da banda, você se empenhou com o Mão de Ferro. Como foi esta transição de mundos diferentes?
GUS - Mão de Ferro foi uma experiência complexa. Minha vontade era não parar de tocar. Sabia que qualquer projeto que eu fosse começar, a partir daquele momento, não se aproximaria do alcance dos Catalépticos. Por isso pensei em montar uma banda de linha street punk com velhos amigos. A ideia era nos reunirmos em nossas casas, com nossas famílias e tocarmos. Chamei o Darwin, o Timtim e o Germano. E o Tico, para tocar acordeom – queria fazer algo próximo de nosso regionalismo local. Esse pessoal mais antigo começou a sair, e com eles a essência da ideia inicial. Passamos a ser uma banda oi! bastante polemizada. A polícia ideológica começou a apontar o dedo e nos carimbar. Tudo foi perdendo a graça. Ainda assim conseguimos lançar um bom CD na Alemanha e um Split em Portugal.


PB - Por quanto tempo a banda ficou ativa e quais foram os momentos mais marcantes para você?
GUS - Não me lembro ao certo. Uns 3, 4 anos. Foi marcante tocar com um cara muito especial, o Luiz, que hoje não está mais entre nós.

PB - Com o fim da banda, você participou de algum projeto musical ou estava somente atuando na área
jurídica?
GUS - Parei de tocar. Me senti cansado. Percebi que minha família precisava de mim e eu deles. Meus filhos estavam crescendo e eu queria estar próximo deles. No passado, ainda nos Catalépticos, viajávamos muito enquanto eles eram bem pequenos. Uma vez terminamos a turnê na Europa e eu todo feliz na Espanha, ao ligar pra casa, fiquei sabendo que um vendaval tinha provocado danos na minha casa e minha esposa estava sozinha com meu filho com um ano. Outra vez nos Estados Unidos, depois de todos os shows, também ao ligar pra casa fiquei sabendo que meu filho estava bastante doente. Isso acendeu uma luz vermelha na minha disposição de enfrentar longas viagens e turnês. Para compensar a falta da música na minha vida comecei a estudar. Fiz um mestrado na Espanha e quase finalizei um doutorado na Argentina... deu certo por um tempo. Mas me enchi também...

PB - E agora, o que motivou este “retorno” d’Os Catalépticos e quais são as suas expectativas para estes shows que farão em Curitiba e nos EUA?
GUS - O convite foi irrecusável. Veio da Califórnia, nosso segundo lar. Partiu de um grande amigo nosso – Ralph Delarosa - e com condições especiais. O momento foi o mais oportuno. Falando mais sobre o meu momento, hoje meus filhos estão grandes. Já estão quase andando por conta própria. E nunca me viram tocar. Eu tenho o tempo que não tinha outra vez. E estou com muita vontade de tocar mais e melhor. Se houve qualquer rusga no fim da banda, ela já não persiste mais. Sinto o mesmo por parte do Vlad e do Coxa. Temos uma afinidade muito grande que merece ser ainda mais explorada. Minhas expectativas são as melhores. Como estava longe deste universo, pensava que a banda, como tantas outras, havia caído no esquecimento. Me surpreendi demais em ver que isso não ocorreu. Após anunciarmos o show em Curitiba os ingressos se esgotaram em três semanas! Em um lugar grande como o Jokers. O show nos EUA está praticamente "sold out", e estamos negociando novas datas. Isso é muito gratificante para mim.

Os Catalépticos - 2017

PB - Com certeza a banda não acabou no esquecimento, o que pode ser comprovado no último Psycho Carnival, quando ficamos todos atônitos vendo vocês reunidos dando autógrafos, tirando fotos e com uma multidão com sorrisos de orelha a orelha contemplando aquele momento. Podemos dizer que a “chama” de acendeu ali?
GUS - Na verdade foi aquele momento que propiciou o retorno. Os produtores norte-americanos quando viram que estávamos juntos, sentados na mesma mesa e tomando uma cerveja, fizeram o link para um retorno. A boa proposta não nos deu nenhuma opção de negá-la.

PB - Os ingressos para o show daqui simplesmente desapareceram como você comentou. Como é estar novamente em meio a ensaios, fãs, mídia, etc. Essa injeção de adrenalina e ansiedade está presente também na banda depois de 11 anos? 
GUS - Como eu disse anteriormente, é muito bom. Me sinto rejuvenescido. Com pretensões que extrapolam a vida ordinária de obrigações. Sentia muita falta disso, mas não fazia ideia de quanto. Gosto dessa vida. Até nas redes sociais eu entrei. Estou hoje fortalecido e com muita vontade mesmo de tocar. Como nunca havia sentido antes.

PB - E como estão sendo os ensaios?
GUS - Muito bons. Nosso primeiro ensaio depois de 11 anos foi quase como se tivéssemos tocado na semana anterior. As músicas foram saindo, naturalmente – algumas boas outras nem tanto – mas saíram. Hoje já posso dizer que pegamos o ritmo e se fosse pra tocar agora já estaríamos prontos. Tenho me divertido muito explorando o avanço da tecnologia – em termos de baixo, captação, amplificação – que houve nesses 11 anos. Às vezes pareço uma criança descobrindo um mundo novo. De todo modo, o entrosamento que já me referi anteriormente, entre nós é algo que não dá pra explicar. Me sinto renovado a cada ensaio.


PB - Podemos esperar um set-list recheado de clássicos como aquele “rascunho” que foi postado na página da banda no Facebook?
GUS - Sem dúvida. Separamos 25 músicas de nosso trabalho desde os primórdios. Pretendemos tocar sets de 15 a 20 sons em cada show. Só o clássico.

PB - Gus, agradeço imensamente a oportunidade deixando aqui toda a minha admiração pelo seu trabalho com os Catalépticos e fora dele. Abro espaço para você falar algo, se desejar, para os fãs e para quem irá ler a entrevista. Muito obrigado!!
GUS - Obrigado Diego. Pela atenção, consideração e também pelo seu trabalho. Apenas um coisa mais queria dizer: ao retornar me deparei com um cenário bem diferente do que era há 11 anos atrás. Hoje é possível dizer que o underground brasileiro se consolidou, não em torno de uma cena, mas em torno de uma opção de vida. As pessoas vivem no underground, diferentemente do que ocorria no passado, quando aqueles que alcançavam a maturidade (30, 40 anos), dele se afastavam. Essa é a melhor construção desse cenário todo, independentemente de se manter cenas isoladas. É preciso manter isso dessa forma com que você se dispôs, organizando bandas, zines, sites, shows. Todos tem a ganhar com isso. Sobre o show de retorno, só quero dizer que estamos – os três – com muita gana de tocar. Tenho certeza que será inesquecível! Obrigado.


Stay Psycho!

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